quinta-feira, 12 de junho de 2008

AINDA HÁ PASTORES!

Álvaro, pastor há 71 anos, fez das ovelhas sua família. Diz ser “como os lobos” e desde os oito anos que não conhece outro modo de vida, nem nunca assim o quis.

De manta dobrada e colocada às costas, com um cajado de madeira na mão, Álvaro prepara-se para, mais uma vez, percorrer o monte com as ovelhas. O ritual repete-se desde há 59 anos, quando deixou Vale de Nogueira, para ir a cidade trabalhar até conseguir o seu próprio rebanho. Hoje garante que nada o faria mudar de vida, pois ganhou a amizade com as ovelhas.
“O meu tio guardava o gado e eu fugia da escola e ia com ele”, recorda Álvaro, rindo das memórias que guarda desses tempos: “o primeiro dia que fui à escola nunca mais lá voltei, e o saco da merenda, se ninguém o tirou da cadeira, ainda deve lá estar”.
Depois de o tio ter morrido, quando tinha oito anos, conta que pediu aos pais para ficar com o rebanho e desde então vive do pastoreio.
O amor que tem pelo rebanho é inexplicável, “quero-lhes como se fossem da família, carrego no colo, até pelo berrar as conheço”.
“Enquanto empregado pedi ao patrão para me deixar ter junto do rebanho dele, duas ou três ovelhas, mas ele não concordou. Assim que passei a ganhar 500 escudos pensei que estava rico e passei a viver assim, como ando até agora”.
Hoje com 81 anos, vive no Centro Social e Paroquial da região, tem apenas meia dúzia de ovelhas que são guardadas por um vizinho que, depois de se reformar, “lhe tomou o gosto”, mas, mesmo assim, é raro o dia em que não sobe pela cidade, até às chamadas “quintas do Calais”, para andar com o rebanho.
A meia dúzia de ovelhas que tem, distingue-as no olhar. “Elas até me conhecem, andei com elas no colo, é como se fossem minhas filhas”, sorri.
Diz ter sido sua vida “um inferno, ao frio, ao sol, à chuva, e, muitas vezes, com fome”. Valia-lhe a boa vontade dos vizinhos, pois diz ter tido muitos amigos.
“Vivia num barracão, onde só tinha uma cama. Cheguei a ter que abrir o guarda-chuva durante a noite para não me chover em cima”, conta rindo das amarguras. “Agora estou bem melhor, a comida é boa e ando sempre limpo, pois antes apenas tomava banho quando chovia”.
Sempre de sorriso no rosto, fixando o horizonte, Álvaro diz que já lhe aconteceram das “boas”. “Andava por aqui sozinho, como os lobos, dormindo onde quer”. O tempo passa-lhe entre pensamentos e vai desabafando: “só me arrependo de não ter casado, podia ter filhos…”. Algumas namoradas ainda as teve, conforme recorda, mas confessa que “era muito envergonhado, não ia a bailes nem a festas, e tinha vergonha de falar com as garotas bonitas porque andava atrás do rebanho…”.
No entanto, logo desanuvia os pensamentos e volta a sorrir, “assim nunca chego a ser velho e ninguém manda em mim, só Deus”.

Os dias passam-se assim, madrugando para sair com o rebanho, voltando ao final do dia para o recolher. Durante o dia, visita “os sobrinhos”, como conta: “todos me chamam Tio Álvaro”. “Durante as tardes bebo um copo aqui e outro ali e chego ao final do dia meio zonzo”, conta rindo.

Baseado em texto do site www.mdb.pt

Obs: Há um filme portugues bastante curioso a respeito deste assunto, que narra a saga dos últimos pastores ainda existentes em Portugal: "Ainda há pastores?"

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